terça-feira, 2 de agosto de 2016

AS CRIANÇAS E O USO DO TEMPO: POR MAIS CONTEMPLAÇÃO E MENOS UTILITARISMO


- “Mamãe, o que eu posso fazer agora?”
Sempre que o Miguel, 5 anos, me aborda com esta pergunta, minha primeira reação é pensar que ele está ansioso. Em geral, isso acontece em situações em que nós (adultos, cuidadores) estamos ocupados com afazeres domésticos ou de trabalho e ele está “ocioso”. Minha resposta para ele tem sido no sentido de acolhê-lo e de tentar entender por que ele estaria “entediado”, indicando que ele pode ficar “de boa”, não fazer nada, ler um livro, deitar no sofá ou mesmo escolher uma outra brincadeira.
Fico pensando que para nós, adultos cuidadores, apoiar as crianças na administração do seu tempo tem sido uma tarefa árdua nos tempos em que vivemos, em que estamos cada dia mais imersos em dinâmicas societárias que nos empurram para ritmos cada vez mais violentos e rotinas cada vez mais perversas, cheias de compromissos e horários a cumprir em um ritmo que, muitas vezes, atropela o nosso próprio tempo.
No diálogo com o Miguel, tomo alguns cuidados. Um primeiro é o de fazê-lo entender que não precisa me consultar para decidir sobre a administração do seu próprio tempo, e que ele pode se conectar com ele mesmo, entender suas percepções e desejos e usar seu tempo para fazer o que tem vontade; um segundo é indicar que ele não precisa necessariamente fazer algo, e que curtir o “ócio” pode ser uma excelente opção; um terceiro é justamente não “classificá-lo” nomeando para ele estas “condições”. Se você prestar atenção no primeiro parágrafo deste texto, aparecem ali pelo menos três adjetivos - ansioso, ocioso e entediado. A maternidade reflexiva e algumas leituras (entre elas, a psicóloga argentina Laura Gutman, autora do livro “O poder do discurso materno”) me mostraram que muitas vezes a nomeação de algumas condições faz com que a criança se reconheça nelas e que isso apenas reforça algumas características que estamos justamente querendo “combater”. Então, a tentativa é de não nomear e, ao mesmo tempo, apoiá-lo a reconhecer como está se sentindo e como pode reagir a este sentimento, sempre que ele recorre a mim em busca de alguma atividade.
Ansioso x ocioso
Antes de chamar este quadro de "ansiedade" e ele de “ansioso” (ou mesmo de “ócio” e “ocioso”) busco olhar para a complexidade da situação em todas as suas dimensões. E sei que existem pelo menos três: uma pessoal (que tem relação com nosso momento de vida); uma social (que diz respeito a nossas relações); e uma global (que se refere a um amplo movimento, caracterizado pela aceleração cada vez maior da vida e do cotidiano - especialmente das famílias urbanas).
Fiquei pensando neste texto como uma forma de organizar e circunscrever estas três dimensões, porque sei que, por um lado, a maternidade reflexiva em rede está muito baseada na troca de experiências por identidade, e algumas mães podem se identificar com isso; e por outro, a reflexão parte sempre de uma vivência pessoal, mas é muito importante retirá-la desta condição e colocá-la em um plano maior, porque assim entendemos que alguns cenários não são exclusivos, mas sim estão conectados a questões societárias, engrenagens e políticas do nosso tempo.
Controle da rotina e segurança
Do ponto de vista da dimensão pessoal, vale a pena pontuar que este “estado” do Miguel parece estar relacionado ao momento que estamos atravessando. Em 2014, eu e o pai dele nos separamos, e desde então, ele - e a sua rotina - vem passando muitas transformações, entre elas, a mudança de casa (agora, ele tem duas) e de escola.
Ele vai à escola desde os 8 meses. Quando engravidei, tinha um trabalho fixo, fazia frilas e estava concluindo meu Doutorado. Quando ele nasceu, aos poucos, fiz uma transição para trabalhar como consultora (na época, cheguei a editar o blog Empreendedorismo Materno), e fiz todo esforço que pude para mantê-lo em casa
sob meus cuidados pelo máximo de tempo possível.
No entanto, desde cedo, por várias razões - que talvez caibam melhor em outro texto -, precisei optar pelo apoio da escola para dar conta dos trabalhos e do estudo. No começo, por poucas horas. Hoje em dia, ele vai todos os dias em média 6 horas por dia e frequenta uma escola particular "democrática e construtivista".
O cotidiano na escola está organizado em atividades que são listadas em uma rotina logo no começo do dia, e esta rotina é acompanhada pelos alunos, item por item, até a sua conclusão, ao final do dia. Em algum momento no ano passado, a escola relatou um apego do Miguel aos pontos da rotina, da qual ele faria um certo controle excessivo e da qual ele se ressentiria em caso de mudança nos planos.
Fato é que esta lógica, de algum modo, se estabeleceu para ele como mecanismo e ele passou a reproduzi-la também em outros ambientes, como a nossa casa ou mesmo em momentos de lazer com família e amigos, em que ele se pega tentando organizar e construir uma distribuição do tempo, em que possa prever o que está por vir e o período de realização de cada uma das atividades.
A guarda compartilhada - e o sistema de divisão dos dias que eu tenho com o pai dele - também, de algum modo, reforçou esta prática, na medida em que ele faz um certo controle dos dias que passa com cada um - e conta os dias para que chegue o momento de ir para a casa do outro.
Em consulta ao pediatra que o acompanha (seguimos a Antroposofia), o próprio médico apontou que o apego à rotina e a necessidade de ordenar o dia podem ser formas de ele lidar melhor com as mudanças que estão acontecendo em sua vida. Podem ser recursos que ele encontrou para se sentir, de alguma forma, seguro.
Tendo a concordar com esta leitura e, se por um lado, entendo que é preciso respeitar esse mecanismo dele, pois se isso significa algum “porto seguro”, não podemos desmanchar esta estrutura que lhe dá suporte; por outro, avalio que podemos evitar reforçá-la, buscando alternativas e propondo uma transição para uma outra forma de ele organizar os seus ritmos e lidar com o tempo.
Reforço social e equilíbrios
Sabemos que não estamos isolados neste mundo. Sabemos que nada que reconhecemos neste mundo está externo a nós. Então, quando promovemos uma reflexão sobre o ritmo da vida na cidade, as escolhas que fazemos para a educação de nossos filhos e como isso gera modos de ação e percepção neles, sabemos que, de algum modo, todas estas questões nos habitam.
Para uma criança de 5 anos, a família, os amigos e a escola são as principais instâncias de vida social. O ideal, sabemos, é que estes diversos espaços desfrutem de uma certa convergência de valores e reflitam isso na prática educativa e de interação com as crianças.
Mas a realidade nem sempre é assim. E nós, como pais e mães reflexivos, precisamos entender esta complexidade e perceber que estes diversos campos estão entrelaçados e as crianças, de alguma forma, recebem informações e interagem com valores em todos eles, construindo mediações e comportamentos a partir destas relações. Nosso papel seria o de apoiá-los nestas mediações, tentando promover um equilíbrio entre todos estes olhares, saberes e relações.
Educação escolar(izada)
A educação escolar (ou a formação escolarizada para a vida, porque os valores da ordem e da disciplina extrapolam a escola e estão em vários ambientes de formação e troca com os quais nossas crianças pequenas têm contato hoje em dia) tem um peso grande nesta interação entre os diversos campos com os quais as crianças estão em contato e, em geral, contribui para que a criança estabeleça uma conexão com uma rotina, comprometendo o que seria uma conexão com o seu próprio ritmo.
No limite, trata-se de uma lógica relacionada à produtividade que não é necessariamente inerente a esta ou a aquela escola. Ela está impregnada no mundo em que vivemos; é uma dinâmica societária, da qual a escola não escapa e na qual estamos todos submersos.
Tomando consciência disso, penso que seria bem importante guiarmos nossos filhos para que eles consigam entender também que a rotina faz parte do modus operandi de alguns ambientes coletivos, que ela nos apoia na execução de algumas tarefas, que ela pode ser um bom recurso e um apoio de referência, mas que ela não deve, de forma alguma, “nos aprisionar”.
Mas de que forma fazer isso? Não sei muito bem, mas tendo a pensar que - quando junto com eles - devemos dedicar o tempo a estar juntos. Quando o Miguel me faz a pergunta que inicia este texto, tenho respondido que podemos não fazer nada juntos. Ou que ele pode "ficar de boa"; ou "ler uma revista", mas acima de tudo, tenho pensado em como posso ajudá-lo a entender que ele não precisa de orientação, que ele pode ouvir internamente o que deseja fazer e expressar isso na forma da escolha de uma atividade - ou, principalmente, de uma “desatividade”. De não fazer nada e apenas desfrutar.
Na verdade, como acredito que os filhos nos ensinam cotidianamente e nos desafiam a repensar nossa presença no Universo, penso que este momento do Miguel e todos os seus questionamentos estão me desafiando a revisar a minha (e a nossa, como Humanidade) relação com o tempo. Como o usamos neste mundo moderno e que nos empurra cada dia mais a vivermos, nos relacionarmos e produzirmos industrialmente?
Esta não é uma reflexão simples, nem tampouco tem respostas imediatas. Nossa família vem, cotidianamente buscando novas perguntas e novos hábitos que nos tragam mais conforto e menos tensão com o uso do tempo e o respeito a nossos ritmos. Afinal de contas, o tempo deve ser usufruído, desfrutado e não necessariamente utilizado para (produzir) algo.
Tempo, ritmo e velocidade
Como em família de pesquisadores e estudiosos,um movimento prático nunca é desconectado de um movimento reflexivo, passamos a estudar, ler bastante e nos conectar ao SlowMovement, um movimento mundial que vem chamando a atenção das pessoas para a necessidade de desacelerar e desfrutar do tempo em vários campos da vida: desde a comida, as cidades, a mente e o corpo, a medicina, o trabalho, o lazer e até o sexo!
O movimento tem um “braço” voltado para as crianças, chamado “SlowKids”, que defende a criação sem pressa, a valorização do tempo livre e a proteção da infância de algumas lógicas (perversas) da sociedade produtivista.
O contato com alguns valores do movimento tem me apoiado no cotidiano com o Miguel, nas reflexões com a escola e na construção de uma rede de formação para ele, que seja confortável e acolhedora e que mostre que existem muitas formas de desfrutar do tempo, mas que ele não precisa se preocupar com isso agora.
Fonte:http://www.cientistaqueviroumae.com.br/blog/textos/as-criancas-e-o-uso-do-tempo-por-mais-contemplacao-e-menos-utilitarismo

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Projeto político pedagógico: reflexão constante e permanente


É da Comunidade Educativa Cedac o livro Projeto Político Pedagógico: orientações para o gestor escolar entender, criar e revisar o PPP’, publicado em parceria com a Editora Moderna e a Fundação Santillana. A obra surge com o objetivo de apoiar os gestores escolares na construção e atualização do PPP da escola a partir de uma perspectiva reflexiva, como explica a coordenadora executiva do Cedac, Roberta Panico.
“Partimos de um pressuposto de que as práticas de gestão devem ser refletidas e não replicadas. Por isso, o livro vem com essa proposta prática, de trazer insumos para que a gestão possa ser experimentada de um outro jeito”, coloca. Dentre as possibilidades, a publicação traz um roteiro de observação com perguntas que permite que as práticas sejam observadas, registradas e problematizadas.
Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Roberta Panico fala sobre a importância dessa política, o seu processo de construção e revisão e a participação dos diversos atores da comunidade escolar. Confira.
Centro de Referências em Educação Integral: o que significa o Projeto Político Pedagógico em uma instituição escolar?
Roberta Panico: Uma questão importante dentro de uma escola é a constituição de uma equipe colaborativa de trabalho que deve ter como norte metas e objetivos comuns. O projeto político pedagógico é um produto desta equipe que constrói metas, propósitos educativos comuns e os documenta. No entanto, mais do que um produto final, o PPP traduz um processo permanente da escola que acontece em seu cotidiano. Ter papel higiênico ou não, permitir que os alunos se sirvam da comida ou não, tudo isso é projeto político pedagógico.
O que acontece, muitas vezes, é justamente um descompasso entre o documento formal e o que acontece no real. Por isso, buscamos discutir no livro esse movimento de elaboração, mas também de revisão, uma vez que a escola deve revelar em seu projeto as intencionalidades educativas existentes. O que ainda vemos com frequência é as escolas dedicarem apenas uma semana para sua construção e planejamento. Porém esse planejamento deve ser contínuo, o que é essencial, principalmente se tratando de uma organização humana como a escolar.
CR: O que um PPP precisa contemplar?
RP: São vários os tipos possíveis de projetos políticos pedagógicos, mas há componentes essenciais. Um deles é caracterizar a comunidade escolar em que a escola está inserida, uma vez que não se pode projetar um plano de ação que não dialogue com ela. Estivemos trabalhando em um município do Maranhão, fazendo essa caracterização da comunidade escolar e alguns diretores ficaram impressionados com a quantidade de alunos que recebiam Bolsa Família. Saber que 80% deles recebiam o benefício deu um contexto social, revelou uma série de características e perfil daquela comunidade, e também as expectativas que tinham com a comunidade escolar.
Outra questão é sobre a missão, visão, valores e princípios. Mais do que trechos de textos filosóficos, essas definições precisam estar garantidas no cotidiano. A forma como os pais são recebidos, como se lida com os conflitos, como aparece a questão da disciplina, tudo isso precisa estar contemplado. É preciso fundamentar o que se quer projetar, o resto são decisões que que se toma a partir disso.
CR: Como a construção do Plano Político Pedagógico incide diretamente nas atividades escolares?
RP: O que tem que estar muito claro para a liderança escolar é que a revisão do texto pode ser feita em uma semana, mas colocá-lo em prática é todo dia. É papel da gestão escolar – diretores e coordenadores – retomar os princípios do plano político pedagógico em diversos momentos da rotina, buscando desdobrá-lo nas práticas pedagógicas. Por exemplo, nas reuniões de HTPC, é importante retomá-lo para que seus princípios balizem a aprendizagem dos alunos, por exemplo; eles também podem orientar os instrumentos de acompanhamento da escola, caso de decidir se os professores avaliam seus alunos ou se eles podem se autoavaliar. O que quero dizer com isso é que a equipe escolar tem que discutir esse projeto, e entender que ele também se estabelece nessas relações entre os profissionais escolares.
CR: Com quais atores o Plano Político Pedagógico deve dialogar?
RP: Aqui se faz necessário falar sobre mecanismos de participação, para que a escola saiba lidar com a entrada de diversos atores como diretores, professores, estudantes e familiares. No discurso, é comum ouvir que todos constroem o PPP, mas é claro que familiares não vão escrever esse projeto. Ou seja, essa participação nem sempre é igual, o que não quer dizer que ela não deva acontecer, somente entender quando e como se dá essa entrada.
Também é importante entender que a participação vem com planejamento, até porque os públicos precisam ser seduzidos, mobilizados, e essa ação também está na mão da gestão. Estamos falando de uma instituição educativa, então todo mundo que está lá tem que ter clareza de seu papel educativo, mesmo no caso de equipes terceirizadas, é preciso garantir discussões que os façam ter clareza da sua contribuição, do seu papel educativo. Então, mais uma vez reforço a importância da gestão escolar promover reuniões com suas equipes para que elas se conheçam e discutam o PPP da escola, uma forma de garantir que os valores da escola permeiem todas essas relações.
CR: Qual a importância da atuação de instâncias como conselho escolar, associação de pais e mestres, conselho de classe e grêmios estudantis?
RP: Essas instâncias são importantes pois podem colocar em prática muitos dos princípios e valores defendidos pelas escolas. Apesar dos conselhos escolares serem obrigatórios em algumas redes, se não se faz a discussão do que ele é, para que ele serve, como ele revela a intencionalidade educativa da escola, é possível que esse sentido se perca. Aqui também vejo a necessidade da gestão apoiar no planejamento e na entrada dessas instâncias, percebendo o melhor momento, como de fato se tornam representativas de seus pares, e como esse conhecimento produzido volta para o grupo.
Muitas vezes vemos diretores falarem que querem a participação, mas acabam colocando a expectativa de atender as suas necessidades e não é isso. Participar é se sentir pertencente, ter uma espaço de escuta garantido, escutar a perspectiva do outro.
CR: Caso a escola não tenha consolidada essas instâncias, como garantir a participação das diversas representações – gestores, professores, coordenadores, estudantes e famílias?
RP: Acho que tudo parte de um movimento de construção. Já estive em redes que não tinham conselho escolar, mas tinham forte a questão da participação entre a comunidade, organizada em trabalhos voluntários. É uma questão do diretor se aproximar e discutir a gestão democrática a partir de sua operacionalização, como se faz uma gestão de outra forma? Os mecanismos legais nem sempre garantem processos mais democráticos e participativos. A questão é fazer e refletir sobre o que se faz, pois algumas de nossas leis ainda estão no lugar da vanguarda e precisam ser superadas.
Tenho o caso de uma escola inserida em um contexto de vulnerabilidade social que era invadida de maneira recorrente em horário de aula, pelo tráfico, e a diretora não sabia o que fazer. Quando ela viu que podia contar com os pais daquela comunidade e reforçar o papel educativo daquele espaço, ela percebeu que tinha outros mecanismos na mão, e que os problemas que eram aparentemente dela, eram de todo o grupo. Foi então que estabeleceu um conselho que passaria a pensar coletivamente em ações para a unidade e minar os problemas recorrentes. Agora, para isso, temos que trilhar um percurso de formação desses gestores , sem dúvida, uma dívida histórica e social do país.
CR: Por quanto tempo um plano político pedagógico deve vigorar em uma escola? Como identificar o momento de revisitá-lo?
RP: Geralmente o que se tem é um ano, mas achamos que esse tempo é curto para se revisar uma proposta, e até orientamos que as unidades escolares reconstruam esse tempo. De fato, não é uma coisa rígida, mas tem coisas que não vamos dar conta em um ano. É legal que a escola possa definir esse tempo, orientada pelo que de fato aconteceu na unidade. Tem redes que deixam isso aberto e outras que dão prazo. O importante, para mim, é que esse processo ajude as escolas, não as faça meras cumpridoras de ordens.
CR: Os processos dizem mais de um PPP do que o documento final, de fato?
RP: Sim, para mim contam mais os processos que mostram como vamos fazendo do projeto político pedagógico um instrumento de reflexão do trabalho da escola. Em algumas redes em que fomos discutir o PPP, saíram ideias de criar um portfólio das ações que vão sendo desenvolvidas, uma ideia simples e que pode dizer muito no momento de repensá-lo.
Por isso que, na maioria das vezes, essas ações não são de curto prazo. Imagine que se tenha como princípio formar leitores, não vai ser um projeto curto que vai atender a esse desafio, mas sim entender qual o envolvimento da escola, dos diversos atores e se ela precisará de apoio de outras instituições. A nossa recomendação é sempre definir responsáveis para cada meta, para que essas coisas não se percam.
CR: E quando a escola começa algum projeto ou ação em caráter experimental e depois ele passa a compor o PPP? Como vê esse movimento?
RP: As ações podem começar, mesmo não tendo sido projetadas, desde que não firam os valores e missões do PPP. A autoria parte do pertencimento e se ocorre esse movimento é porque a equipe pode criar, ter autonomia para essas criações. Muitas vezes elas surgem com os professores, são importantes para a escola e aí deve ser feito um trabalho de como legitimá-la.
CR: Qual a autonomia de uma escola de rever seus processos, tornando-os mais dialógicos e horizontais, se eles não estiverem previstos no PPP (exemplo: articulação com o território, abertura do currículo prevendo interfaces com a cultura, esporte etc)?
RP: Quando se fala de educação integral estamos falando de princípios e valores que estão na escola. Falamos dela [da escola] se responsabilizar pela formação do sujeito e isso tem que estar ancorado no projeto político pedagógico, entendendo a necessidade de ampliar a jornada ou buscar equipamentos pelo território. Claro que também se aprende nesse processo, mas vejo que quando isso não está institucionalizado, parte de pessoas que aderem à agenda e não da instituição. A educação integral deve ser um princípio a ser revelado no projeto político pedagógico da escola.CR: Como o PPP se insere nas políticas educacionais? Ele é um instrumento de viabilização das políticas propostas pelo governo? Como se dá a interlocução do PPP, escola e agenda governamental? É possível pensar em interlocuções também com outras secretarias?
RP: Ele precisa considerar as políticas educacionais locais. No livro, discutimos como o PPP deve se relacionar aos planos de educação, sejam eles estaduais ou municipais. Ele não se dá a parte e sim em uma escola que faz parte de uma rede. É a questão da política se realizar do micro para o macro.
A meu ver, esse alinhamento também fortalece o pedagógico da escola. Por exemplo, as escolas geralmente recebem propostas de projetos de outras instituições e com essa política clara fica mais fácil avaliar um possível aceite: a proposta vai ao encontro do projeto? Ou mesmo de fazê-la mais proativa em busca de parcerias que ela mesmo já reconheceu serem necessárias.
Quanto à interlocução, as secretarias devem garantir técnicos para fazerem esse movimento de parceria com a equipe escolar; o papel não deve ser apenas de fiscalização e cobrança, mas propositivo.
CR: Com relação ao Plano Nacional de Educação e à Base Nacional Curricular Comum, como o PPP dialoga com elas?
RP: Existem pressupostos que precisam dialogar na construção de um PPP. É uma escala que precisa acontecer. Por exemplo, onde a política municipal, que deve ser refletida pela escola, está contida na base e no PNE? Precisamos criar esses movimentos, porque os documentos parecem estanques, mas não são, uma vez que eles ficam prontos é que se devem começar os trabalhos de colocá-los em prática.
FONTE:http://educacaointegral.org.br/noticias/projeto-politico-pedagogico-reflexao-constante-permanente/




domingo, 12 de junho de 2016

Escrita espelhada, o que fazer?



    Quando as crianças iniciam a escrever suas primeiras palavras ou números, a sensação
 dos pais é indescritível. É um processo de autonomia, um ritual de passagem evidenciando 
uma nova etapa na vida da criança... É uma gracinha ver aquelas mãos tão delicadas 
iniciando seus traçados...
    Ao compor suas primeiras escritas elas mostram-se portadoras de inúmeras 
experiências, desejos, anseios e dinâmicas particulares de aprendizado. Vygotsky (1998) 
destaca que a escrita tem significado para as crianças, desperta nelas uma necessidade 
intrínseca e uma tarefa necessária e relevante para a vida.
      Entretanto, na medida em que esta escrita avança é comum que elas evidenciem 
letras ou números espelhados...algumas já estão lá por volta dos 7 anos e ainda mantém
 esta característica e por que será que fazem isso?

     Em primeiro lugar é importante ressaltar que espelhar letras e números é normal, pois a 
criança está em processo de construção da escrita. Para que ela tenha o entendimento, 
que nós adultos temos que a escrita inicia da esquerda para a direita (no caso da cultura
 ocidental), algumas noções anteriores ao papel devem ser bem trabalhadas. A aquisição
 da escrita é posterior à aquisição da linguagem e posterior a um nível específico de 
maturidade motora humana.
     Conforme Esteban Levin (2002: 161), o ato da escrita em si, não depende somente do 
ato biológico, mas de toda uma estrutura que provém do sistema nervoso central,
[...] o que escreve é um sujeito-criança, mas, para fazê-lo, necessita 
de sua mão, de sua orientação espacial (lateralidade), de um ritmo
 motor (relaxamento-contração), de sua postura (eixo postural), de
 sua tonicidade muscular (preensão fina e precisa) e de seu 
reconhecimento no referido ato (função imaginária).
     Conforme manual de neurologia infantil, autoria de Diament (2005), a partir dos 7 anos 
que a criança começa a consolidar a noção de direita e esquerda, bem como encontra-se 
em fase de maturação de áreas 
visoespaciais, portanto é perfeitamente normal ainda apresentar algumas trocas  na 
direção de suas escrita, pois estão em processo de aprendizagem, sistematizando suas 
hipóteses e consolidando noções importantes em aspectos neurobiológicos, porém,
 alguns alunos espelham palavras e frases inteiras, característica da disgrafia. No entanto,
 isso não significa que as crianças que espelham letras e números apresentem 
disgrafia, mas se no final deste ano, após todas as intervenções pedagógicas terem
 sido realizadas, visando a “escrita correta” das palavras, faz-se necessário uma avaliação
 mais detalhada.
       Dehaene (2012) nos mostra que a capacidade de reconhecer as figuras simétricas faz
 parte das competências essenciais do sistema visual, porque permite o reconhecimento 
dos objetos independentemente da sua orientação, por esse motivo  que quando uma 
criança aprende a ler tem que “desaprender” a generalização em espelho para que possa 
compreender a diferença entre as letras “b” e “d”.  A maioria das crianças passa por
 uma fase de escrita em espelho tendo geralmente ultrapassada esta dificuldade por 
volta dos 8 anos. Entretanto, cabe ressaltar que algumas das crianças que apresentam 
escrita espelhada são canhotas.
      A identificação de uma imagem na sua forma simétrica, confusão esquerda-direita, 
também é frequente, no nosso sistema visual (Dehaene 2007).
       No entanto, na sala de aula existem professores que consideram "errado" quando os
 alunos escrevem palavras ou números espelhados, por isso se faz necessário esclarecer que 
antes de considerar certo ou errado, faz-se necessário realizar atividades que propiciem a
 lateralidade. Com certeza, no processo de alfabetização, tanto pais, quanto professores, 
devem sempre questionar a criança sobre como poderia melhorar aquilo que fez, procurar
 fazê-la tomar conhecimento do que fez e como o fez, mas também como deveria fazê-lo. 
        Numa abordagem neurocientífica Guaresi (2009) enfatiza que:
A criança tem que manipular um repertório de  habilidades motoras
 finas e complexas concomitantes com dados sensoriais (conteúdo
 visual),  um processo que envolve muitas funções cerebrais,
 tais como atenção, memória, percepção  (integração e interpretação
 de dados sensoriais), entre outras. O processo de aprendizagem da 
 escrita envolve, entre outros aspectos, a integração viso-espacial,
 ou seja, visualizar o que está  sendo apresentado, localizar o lápis,
 acomodá-lo de forma satisfatória na mão, direcioná-lo ao  caderno
 e iniciar a sequência de movimentos numa tentativa de escrita. Com o
 tempo e o reforço das redes sinápticas correspondentes, este
 processo será automático, ou seja, não  precisará de monitoramento
 cerebral constante para execução da tarefa e a criança terá  condições
 de aumentar o nível de complexidade.

       Existem três domínios principais que precisam ser ensinados para que uma pessoa
 tenha autonomia no ato de escrever: o domínio linguístico, o domínio gráfico e o de 
conceitos de letra e texto. A escrita  como um sistema organizado manifesta nossa 
capacidade de simbolizar.  É complexo e sua aquisição demanda o domínio das várias
 dimensões que o compõe, por exemplo, além da segmentação, as crianças precisam
 adquirir no domínio gráfico, noções de esquerda para a direita, de cima para baixo.
          Portanto, a neuropsicopedagogia não lida apenas e diretamente com o problema
 de aprendizagem, mas com todos os processos metacognitivos que fazem com o ser
 humano venha a ter melhores condições de aprendizagem. Nesse sentido é importante
 lembrar que os alfabetos expostos em sala de aula, não deveriam ser em E.V.A, pois na 
maioria das vezes, apresentam somente a letra script maiúscula, sendo que no mundo 
letrado, não é somente este tipo de escrita que a criança encontra, muito menos 
deveriam conter formas de “bichinhos, bonequinhos”, pois isto também acarreta em 
confusão para aquela que se encontra em processo inicial do traçado das letras. Ela precisa
 visualizar a estética correta da escrita, e se possível que neste alfabeto seja sinalizado por
 setas indicando por onde começar esta escrita. A mesma sugestão é válida para o
 traçado de números. No entanto, antes de sistematizar a escrita “no papel”, diversas outra atividades envolvendo o corpo devem estar bem desenvolvidas, pois tudo que sentimos através do nosso corpo, torna-se mais
 significativo e é nesse sentido que seguem algumas sugestões de atividades:

Jogo de orientação espacial:
          
Dependendo da idade da criança, pode-se colocar uma fita no braço, ou perna sinalizando 
o lado direito (ou esquerdo). Coloca-se no chão algo delimitando o espaço, por exemplo 3
 colchonetes. A criança fica posicionada no colchonete do meio, e o professor diz: 
direita (ele deve passar para o colchonete correspondente), esquerda ou meio. Também,
 após terem dominado estas noções,  pode ser colocado outros 3 colchonetes na frente 
da criança, sendo que outra participe da atividade, demonstrando que ao se posicionarem
 uma frente a outra, o ato de pular para a direita de uma, irá mostrar-se diferente do ato 
de pular para a direita de outra.


Atividades com balão:
Tentar manter o balão no ar, somente batendo nele com a mão direita, após somente com
 a mão esquerda.


Brincar de Robô:
Uma criança é o robô, e seu parceiro é o guia. Auxiliados pela professora, combinam sinais
 de movimentação do robô. Por exemplo, se o guia tocar o lado esquerdo da cabeça do robô
, esse vira para a esquerda; se tocar o lado direito, vira à direita; se tocar o alto da cabeça, 
o robô abaixa, e assim por diante. Algum tempo depois, invertem-se os papéis, sendo 
que o guia vira robô, e o robô vira guia. Depois disso, a brincadeira é feita com 
deslocamentos. As duplas combinam os sinais de movimentação. Por exemplo, um toque 
na parte de trás da cabeça é sinal para o robô ir adiante; um toque nos ombros é sinal para
 que ele pare.

Brincar de espelho:
Inicialmente cada aluno faz as atividades sozinhos, ou seja, a professora diz, mostrar a 
mão direta, colocar o pé esquerdo ao lado da cadeira, colocar a mão esquerda no olho 
esquerdo, encostado no cotovelo direito  no joelho direito, e ir dizendo várias situações. Mas
 para brincar de espelho, cada um ficará de frente a um colega e deverá seguir as
 instruções dadas pela professora, porém localizando no outro.

Que letra é essa?
Nas costas do aluno o professor faz com o dedo uma letra e o mesmo deve dizer qual é.

Caminhar sobre as letras:
No chão, fazer o traçado de letras ou palavras e os alunos devem caminhar sobre as 
mesmas, seguindo a ordem que o traçado deve ser feito. 

Escrita com água:
Os alunos podem molhar o dedo na água e vir ao quadro passar o dedo sobre o traçado 
das palavras.

Escrita na areia:
No chão, escrever com o dedo, ou palito de picolé, o traçado de palavras.

Modelagem de palavras:
Usando argila ou massa de modelar, escrever palavras modelando letra por letra.


FONTE:http://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com.br/2013/04/escrita-espelhada
-o-que-fazer.html?spref=fb&m=1