TEXTO TRABALHADO POR PROFª RAQUEL ZANELATTO ( 03/08/2015)
A cena passa-se na escola, naqueles dias de março em que se efetua a matricula das crianças. Uma senhora de boa aparência aproxima-se da mesa e dá todas as informações exigidas para que seu filho possa frequentar a escola. Depois dessa formalidade, ensaiando um sorriso expressivo, de quem deseja fazer boas relações com a professora, faz a seguinte observação:
- Minha senhora, o meu pequeno é malcriado. Muito vadio. Não gosta de estudar. Não imagina o tormento que passo para fazer vir à escola. Fica pelo caminho. Perde os livros. Já há dois anos que está na mesma classe. Primeiro, pensamos que era da professora. Então o mudamos de escola. Mas na outra foi a mesma coisa. A senhora sabe que nós , as mães, sempre temos mais paciência. Mas o pai, que não gosta nem de graças, prometeu dar cabo do pequeno, se este ano ele não for para outra classe. Ele é um garoto insubordinado. Todos se queixam dele. Por isso, eu lhe queria pedir um favor...
( Não é necessário dizer que, durante todo esse tempo, o pequeno esteve cabisbaixo, ouvindo todas essas amabilidades a seu respeito... Pouco a pouco as orelhas iam-lhe passando por todas as tonalidades do vermelho, ate o purpura. E, olhando-se bem parecia que cresciam também...)
- Queria pedir-lhe um favor: puxe-me pelo pequeno. Puxe-me por ele. Não o deixe ir ao recreio. Não o deixe fazer ginastica. Ponha-o na sala com o livro na mão, ate que ele fique sabendo as lições. Não tenha pena, minha senhora. Ele com bons modos não vai. Isso de lhe fazer festa, de o tratar bem não adianta nada. Ele só anda com pancada. E olhe; eu sei que na escola não querem bater nas crianças, mas tem a senhora toda liberdade para fazer este o que entender...
( O pequeno vai baixando mais a cabeça. Agora a vermelhidão avança por todo o rosto. Que estará pensando esse pobre pequeno quem nem na família encontra a compreensão suficiente para que sua vida se desenvolva com alegria? A tristeza da solidão moral, que costuma ser o naufrágio da mocidade, já desceu sobre essa infância angustiada. Qual será o estado interior dessa pobre criatura, ouvindo decomporem sua personalidade em fragmentos de maldade e injustiça?)
O resto da cena não se conta, para cada pessoa que se interessa pelo assunto ter oportunidade de construir um fim capaz de reabilitar os três personagens em questão.
(MEIRELES, Cecília. Triste cena. 9 de julho de 1930)
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